A cada dia que passa, animais silvestres veem seu habitat reduzido e se torna menos rara a ilustre visita de micos, esquilos, quatis, jacus, gambás, cachorros do mato, entre outros, a humanos moradores vizinhos a áreas verdes. Alguns desses moradores, movidos pela boa-fé e desinformação, gostam de demonstrar o seu encantamento oferecendo alimentos a esses animais, sem saber do malefício que fazem a essas criaturinhas.
Vamos entender o porquê:
Espera-se que as espécies silvestres permaneçam afastadas ao máximo do homem, e que mantenham seu instinto para buscar os alimentos na natureza. Quando o homem o alimenta, ele vai perdendo esse instinto e, se não é atendido pode invadir residências, podendo agir com agressividade. Perder o medo dos humanos retira deles seu natural instinto de defesa e preservação, expondo-os a eventual maldade humana e os riscos do mundo urbanizado. Um bom exemplo são os saguis: as pessoas insistem em ofertar frutas e alimentos, mas ao fazerem isso, apenas os desacostumam a procurar seu próprio alimento. O fruto que eles precisam encontrar na natureza é o ideal para uma dieta balanceada e consequentemente, sua boa saúde. Sem contar que eles precisam dispersar as sementes daquilo que comem. Ao interromper esse ciclo, o homem altera uma dieta balanceada natural. Isso quando o humano não oferece ao animal silvestre o que ele não pode comer, como pão, salgadinhos e doces.
Por mais atraente que seja o impulso de alimentar um silvestre, resista. É complexo, vamos entender: esses animais aceitam os alimentos oferecidos pelas pessoas não por falta de comida, mas pela disponibilidade. E essa facilidade aumenta os riscos de uma reprodução descontrolada. Se dispõem de comida e abrigo fácil, eles vão se reproduzir em uma frequência muito maior. Qualquer intervenção humana, que facilite a vida desses animais, pode causar desequilíbrio e trazer danos irreversíveis para as espécies. Um equívoco comum é fornecer alimento em suas residências, principalmente a araras e primatas, e por desinformação as pessoas acreditam que os estão ajudando. Porém, estão interferindo no papel ecossistêmico que a espécie possui e criam dependência que, muitas vezes, ocasiona a incapacidade de encontrar alimento por conta própria.
Alimentar animais silvestres pode parecer um gesto generoso, mas, do ponto de vista sanitário, é extremamente danoso aos bichinhos e ao próprio homem. Estamos falando das zoonoses (a definição clássica de zoonoses é a de doenças que são transmitidas de animais para humanos, ou de humanos para os animais) e quando se fala de zoonoses, é preciso pensar em uma “via de mão dupla da transmissão”, pois existem patógenos próprios do homem que também infectam os animais e vice-versa.
O herpes, vírus de humanos, por exemplo, pode ser fatal em primatas, já que a transmissão do vírus para primatas é frequente devido à proximidade genética com o ser humano. Uma banana compartilhada por um humano pode devastar todo um grupo de primatas. Febre amarela, leishmaniose, zika e dengue são exemplos de doenças emergentes que desafiam a saúde pública. Cientistas afirmam que cerca de 70% das doenças emergentes em humanos são zoonoses de origem silvestre. O risco não está apenas no contato direto com os animais, mas também nos riscos advindos da proximidade espacial com eles. No caso de zoonoses virais como a febre amarela, não há transmissão direta do vírus para o homem pelos micos, mas pelo mosquito vetor.
Outra zoonose de especial atenção é a raiva, que é um vírus fatal e disseminado entre mamíferos silvestres e domésticos, sendo que esses últimos dispõem da vacina, mas a vida silvestre não é protegida contra a raiva, por isso, não é possível saber se um animal está raivoso. E para a transmissão não é necessária uma mordida do animal, um simples arranhão pode ser o suficiente. A proximidade de silvestres/domésticos/humanos é também origem de possíveis zoonoses.
Por mais lúdica que se pareça essa interação, ela não se traduz em benefício algum para os envolvidos: homens e animais. Talvez apenas no deleite momentâneo daquele que oferece o alimento. Por mais dramática que seja a perda de habitat dessas criaturas únicas e essenciais, a sua salvação e de sua espécie não está em se oferecer alimento a eles, mas na luta intransigente pela preservação dos ecossistemas, na educação ambiental, que vê na biodiversidade um direito fundamental intergeracional e na educação animalista que vê cada ser vivo senciente como um indivíduo com direito a uma existência digna, com todas suas necessidades atendidas, inclusive seu habitat sadio e uma vida livre de crueldade.
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