Moradores e profissionais relatam os desafios de enfrentarem o tráfego intenso de veículos e os congestionamentos em quase todas as horas do dia, na divisa de BH e Nova Lima.
A região limítrofe entre Belo Horizonte e Nova Lima enfrenta atualmente um desafio contínuo: o tráfego intenso de veículos e o congestionamento do trânsito em quase todas as horas do dia. O problema diário vivido por quem precisa fazer o movimento pendular entre um bairro e outro tem causado estresse diário, atrasos e cancelamentos de compromissos e, principalmente, está comprometendo a qualidade de vida da população.
Quando se trata de uma região que se tornou um polo de saúde, a situação tende ser ainda mais complicada e desafiadora, pois o sistema de saúde depende da mobilidade urbana. E não somente, ele também produz efeitos significativos sobre a organização do tráfego como um todo. Do número de deslocamentos para consultas médicas, passando pelas viagens de uma rede complexa de profissionais que constituem o setor, até o socorro a acidentados e o transporte de órgãos para transplante, a mobilidade se torna um fator determinante, principalmente para uma vida saudável.
Tempo é vida
A médica Emergencista Intensivista, fundadora da Sociedade Brasileira de Medicina de Emergência de Minas Gerais, Maria Aparecida Braga, explica que “todas as doenças atendidas na emergência são tempo-dependentes. Algumas, com elevado potencial de morte e risco de sequelas, devem ser tratadas em fluxo específico, desencadeando o que chamamos de onda vermelha: vários setores atuando simultaneamente em processos especificamente desenhados para que o paciente seja atendido de forma eficiente, no menor tempo possível”.
Mas, o tempo perdido pode comprometer quadros de infecção que evoluem com sepse ou choque séptico que também são responsáveis por elevada taxa de morbimortalidade. “Quando reconhecido precocemente, o tratamento adequado com hidratação e antibióticos, entre outros, salva vidas e reduz as sequelas. Portanto, em todas essas situações, tempo é vida. Ao acionar um atendimento móvel, precisamos que todos estejam atentos ao tempo, de modo que o serviço requerido seja rapidamente executado.”
Enquanto a cidade se expande, as vias continuam as mesmas. E, no caso da saúde, o tempo perdido no trânsito pode significar vidas perdidas. Para se ter uma ideia da urgência, a cada minuto sem oxigênio, cerca de 2 milhões de neurônios morrem em uma vítima de AVC. Em um infarto, cada segundo conta para evitar sequelas irreversíveis. A emergencista Maria Aparecida Braga destaca que todas as doenças atendidas na emergência são tempo-dependentes. “No AVC, tempo é cérebro. No infarto, tempo é músculo. Em quadros de sepse, tempo é vida. Precisamos agir rápido. E a mobilidade é essencial para isso”.
O fato é que o trânsito na região vem colocando vidas em risco. No final do ano, uma mulher de 35 anos entrou em trabalho de parto em meio a um engarrafamento na MG-030, após um acidente entre um ônibus e uma carreta. Presa no trânsito por horas, ela precisou contar com a rapidez do Corpo de Bombeiros para garantir um parto seguro. Situação semelhante ocorreu em 2022, quando Priscilla Sírio, então grávida de 38 semanas, ficou retida por duas horas e meia no trânsito da mesma rodovia. O estresse elevou sua pressão arterial, antecipando o parto em uma semana.
A precariedade da mobilidade também já colocou Guilherme Lima Sábato, morador do Vila da Serra desde 2012, em situações críticas. “Durante uma crise de cálculo renal, fiquei preso no trânsito da Alameda Oscar Niemeyer e precisei descer do carro e caminhar com dificuldade até o hospital.” Outro episódio grave ocorreu quando perdeu um voo devido a um acidente no Anel Rodoviário, que travou toda a região.
“Com velocidade inferior a de uma galinha”
A mobilidade vem comprometendo também a rotina de moradores no Vila da Serra. Rosane Guedes, moradora da Alameda do Morro há 14 anos, explica que o problema se divide em duas frentes: “Os engarrafamentos internos no bairro e a conexão com Belo Horizonte. Nos horários de pico, o acesso à Fundação Torino gera enormes filas. Obras recentes, como as do Supermercado Verdemar, também impactaram o trânsito. Fora desses períodos, os problemas internos são menores, mas a ligação com BH segue crítica.”
Rosane Guedes comenta que os impactos causados pelo trânsito na sua rotina são consideráveis. “Já perdi consultas médicas, reuniões importantes e até voos. Um episódio marcante foi quando os semáforos no cruzamento da Alameda Oscar Niemeyer com a MG-030 foram implantados. Levei 50 minutos para percorrer 500 metros, com velocidade inferior a de uma galinha, que pode correr até 14 km/h”, brincou.
Rosane Guedes explica que o trânsito também afeta a vida social. “Muitos amigos e familiares evitam visitar o Vila da Serra pelo tempo perdido no congestionamento.” Ela reforça a necessidade de soluções definitivas e sugere melhorias como tornar a Rua Jornalista Djalma Andrade mão única nos horários de pico, restringir o estacionamento em um lado e ampliar a passagem sob o pontilhão da linha férrea. Além disso, defende a aceleração das obras viárias, a implantação do Parque da Linha Férrea e uma ligação alternativa com a Avenida Afonso Pena.
Taxista: muitos prejuízos
Para William Tadeu de Araújo Pinto, Presidente da Associação dos Taxistas do Belvedere, o caos no trânsito tem causado muitos prejuízos. “Com quase 30 anos de estrada, já vi de tudo no trânsito da região, mas nos últimos anos a situação tem piorado muito. O Belvedere e o Vila da Serra cresceram rápido demais, e a mobilidade não acompanhou esse ritmo”, explica.
Ele relata casos frequentes de passageiros que perdem compromissos importantes devido aos congestionamentos. “Todos os dias vejo passageiros se atrasando para consultas médicas, reuniões de trabalho e, o pior de tudo, muitos perdem voos porque simplesmente não conseguem chegar ao aeroporto a tempo. Já aconteceu várias vezes de levar um passageiro para um compromisso e, depois de horas parados no trânsito, voltar com a mesma pessoa frustrada, porque perdeu a reunião ou a consulta”, declarou William Araújo Pinto.
Luciano Medrado, morador há 25 anos, adapta seus deslocamentos para evitar congestionamentos, mas ressalta que imprevistos, como acidentes, podem comprometer a circulação. Para ele, a mobilidade deve ser pensada de forma integrada, considerando transporte sobre trilhos, ciclovias e acessibilidade. “Mobilidade vai além de carros e ônibus. É essencial para a qualidade de vida”, conclui.
Comment (1)
De nada adianta construir viadutos ligando um engarrafamento a outro. E necessário investir em transporte ferroviário, metrô, VLT, medidas simples como ciclovias, mas que não há vontade política. Insistir somente no transporte rodovíario é “enxugar gelo”.