O que temos a aprender com as formigas

Costumo dizer que “o mundo vai acabar em formigas”, dada a enorme quantidade de espécies existentes e sua notável capacidade de se adaptar aos mais diversos ambientes, incluindo o urbano. Estima-se que há, atualmente, cerca de 2 mil espécies de formigas somente no Brasil, porém acredita-se que várias outras ainda estão por ser descobertas. Estes insetos formam agrupamentos numerosos, que podem chegar a vários milhões de indivíduos e vivem em sociedades extremamente bem organizadas.

Nos ninhos de “saúva-limão”, por exemplo”, denominados sauveiros, os indivíduos se organizam em 4 classes, que diferem na morfologia (forma) e têm funções definidas: a “rainha” (apenas uma por formigueiro) destaca-se das demais pelo tamanho grande e é responsável por gerar novas formigas operárias e as futuras rainhas. Se ela morrer, a colônia finda, uma vez que somente ela pode colocar ovos. As “jardineiras” são pequenas e têm como missão cultivar o fungo que serve de alimento para toda a comunidade.

O grupo das “cortadeiras”, como o próprio nome diz, fica incumbido de cortar e transportar as folhas para o interior do ninho. Já os “soldados” são encarregados de proteger o formigueiro contra qualquer tipo de ameaça, como invasores e outros perigos. Eles são dotados de uma cabeça grande, o que justifica outro nome popular atribuído à “saúva-limão”: “saúva-formiga-cabeçuda”. As “castas temporárias”, compostas por formigas aladas fêmeas (içás ou tanajuras) e machos (bitus), somente aparecem em época de formação de novas colônias, num fenômeno conhecido como revoada.

Esta ocorre no início das primeiras chuvas e, após o acasalamento no ar, o macho morre. A fêmea fecundada livra-se das asas e abre um canal no solo, de 8 a 25 cm de profundidade, onde constrói uma câmara inicial, também chamada de panela. Munida de um pequeno pedaço de fungo, retirado do sauveiro anterior, antes da revoada, a futura rainha inicia a fundação de um novo formigueiro, onde viverá por até 20 anos, sendo cuidada e protegida por seus descendentes.

A sociedade humana também está subdividida em grupos, onde pessoas de diversas esferas realizam atividades distintas em prol de um bem comum. No caso das formigas, o trabalho das castas converge para manter o perfeito funcionamento do formigueiro e garantir a integridade e a proteção da rainha, sem a qual a colônia não existiria. Do mesmo modo, em uma cidade, os profissionais de diferentes áreas de atuação se dedicam à manutenção de um local saudável e seguro para seus habitantes viverem. Em uma empresa, cada um dos setores trabalha para atingir o objetivo final para o qual a empresa foi criada. Entretanto, as relações entre as partes nem sempre são pacíficas e ocorrem competições. Convivemos ainda com a desigualdade e o preconceito em relação a certas profissões, onde alguns ofícios são considerados inferiores, de menor importância.

As formigas são símbolo de cooperação, determinação, pensamento coletivo, sinergia e planejamento. E do trabalho árduo e contínuo exercido por esta complexa sociedade, podemos tirar várias lições. A principal delas é a importância de se trabalhar em conjunto, cada um desempenhando sua função, mas em constante conexão uns com os outros, com foco em um propósito comum. Que todo tipo de serviço, por mais “simples” que possa parecer, deve ser respeitado e valorizado, pensado como uma peça essencial e necessária para completar um quebra-cabeça. Que devemos persistir frente aos obstáculos, até que nossas metas sejam alcançadas. Embora sejam motivo de desconforto, as adversidades impostas pela vida nos transformam em seres humanos mais resilientes, capazes de enfrentar os desafios mais difíceis. Assim como acontece no interior das colônias, devemos atuar de forma organizada e planejada, a fim de alcançar resultados melhores e mais eficientes.

Observar de perto a dinâmica de um formigueiro e acompanhar a labuta incansável de cada pequeno integrante da sociedade é uma experiência incrível, que nos oferece grande oportunidade de aprendizado. O esforço para carregar um pedaço de folha, o cuidado para manter a “casa” sempre limpa, o senso de coletividade, a ideia de perseverar, mesmo diante das dificuldades, o empenho nas tarefas, tudo isso nos inspira a ser cada vez melhores e mais comprometidos com o trabalho que escolhemos realizar.

Agradecimento: Humberto Werneck – Jornalista e Escritor

Raquel Schettino Werneck / Bióloga e Diretora de Educação Ambiental da Promutuca / www.promutuca.com.br • adm.promutuca@gmail.com

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