A tia, o sobrinho e as mudanças climáticas

Quando convidada para escrever este artigo, perguntei a meu sobrinho de 9 anos qual tema ele achava relevante de ser abordado. “Desmatamento”, respondeu rápido. Certamente na resposta temos um viés familiar. Nosso sobrenome ‘Kimura’ quer dizer ‘Aldeia da Árvore’ em japonês. Uma árvore, para os Kimura, não é só aquele ser que dá sombra, frutos, pássaros, galhos. É tudo isso, e também a família. Talvez por isso não tenha titubeado na resposta, Iuri. Parece óbvio que acabar com as florestas seja algo insano. É um tiro no pé, no escuro, no passado…. e no futuro. No entanto, o que temos feito nos últimos séculos, senão derrubar as matas, proposital ou inadvertidamente, sem de fato nos importarmos com as consequências?

Além de derrubar as árvores, que são um elemento fundamental na regulação do clima, nos tornamos dependentes do petróleo. E com isso, mudamos a composição da atmosfera e as temperaturas do planeta, Iuri. A lista das peripécias é longa. Não vou me delongar sobre elas, pois sei que (infelizmente) você vai senti-las.

Veja por exemplo: em nosso círculo de relações, os que não tiveram dengue são quase exceções. E você não ouviu dizer por aí que vai aumentar o preço do chocolate? E não achou que os céus caiam sobre nossas cabeças sob as tempestades de alguns dias, assim como o maior temor do chefe da aldeia que você lê na revista do Asterix? Todos esses são efeitos das tais mudanças climáticas de que você tanto tem ouvido falar por aí. Para você, que é muito novo e nasceu no meio desse caldeirão, isso tudo pode parecer normal. Mas para mim, que já vivi algumas décadas, essas coisas têm cheiro de mudanças, de fato. Haja poção mágica para lidar com tantos desafios!

Como produzir comida para alimentar 8 bilhões de pessoas (8 bilhões de vezes tudo isso que você come, já imaginou?), sem saber se vai ter água, se vai chover? Talvez no Minecraft isso seja coisa fácil de resolver, mas na vida real não é tão simples. Não é que não vá ter feijão, que você gosta tanto, de um dia para o outro. As mudanças são lentas, ocorrem aos poucos. Por isso fica mais difícil de ver que já estão aí.

Agora andamos às voltas, batendo cabeças para achar soluções. Estamos em um labirinto tentando escapar das nossas próprias ciladas. Tem muita gente fazendo contas complicadíssimas para saber se é mais vantajoso parar de usar petróleo, capturar CO2 da atmosfera ou deixar tudo isso para depois e focar em como sobreviver nos próximos anos a um novo mundo, sem certezas. No Minecraft pode parecer um exercício interessante, até estimulante. Na vida real, não temos muita escolha. É uma tarefa inadiável.

Tem gente com umas ideias bem mirabolantes. Colocar espelho em órbita para defletir o sol. Mexer no pH do oceano para aumentar a solubilidade do CO2. Me parecem coisas amalucadas e arriscadas demais, a você não? Bem Iuri, eu também não saberia dizer por onde é melhor começar a agir, tampouco definir o que é mais importante para lidar com essas mudanças climáticas. Tudo me parece necessário (menos essas ideias mais mirabolantes, tenho medo delas). Mas de uma coisa eu sei: toda solução passa por sentir que uma árvore é nossa família. Lembre-se sempre disso.

Gisele Kimura / Membro do conselho deliberativo da Promutuca./ www.promutuca.com.br • adm.promutuca@gmail.com

 

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