Após temporal, governantes e cidadãos estão diante de novos desafios

As pesquisas científicas já concluíram que o planeta irá registrar eventos climáticos cada vez mais severos, e isso deveria colocar a sociedade em alerta em relação às consequências relacionadas à ação humana com as mudanças do clima.

As chuvas com volume expressivo, que caíram em Belo Horizonte e Nova Lima, no último dia 23 de janeiro, mostraram que as mudanças climáticas estão trazendo eventos extremos, e que o comportamento humano pode potencializar todos esses acontecimentos. Embora tenha sido considerada uma chuva de grande intensidade, felizmente não houve relatos de vítimas nas duas cidades. Em Belo Horizonte, várias ruas foram tomadas pelas águas, carros arrastados e jogados uns sobre os outros, árvores caídas e um vento de 86 km/h, causando medo em quem transitava pelos locais. Há previsão de chuvas muito fortes até o próximo dia 29 de janeiro. Portanto, estes novos tempos não deixam de ser um grande desafio para os governantes, como também para a população, já que os cidadãos precisam participar mais das decisões de suas cidades, como ainda mudar o comportamento em relação ao clima.

Em Nova Lima, a BR-040, próximo ao Condomínio Miguelão, o volume de água avançou sobre a pista e, a mesma, precisou ser fechada por algumas horas pela Defesa Civil e Polícia Rodoviária Federal, por precaução, até que a chuva cedesse e fosse feita a checagem de informações junto à empresa Vallourec, que possui uma barragem na mancha do trecho inundado.

100 mm em apenas 2 horas

Segundo informou o Coordenador da Defesa Civil de Nova Lima, Roberson Silveira, o volume de chuvas registrado no dique, através do pluviômetro, foi de 100 mm em apenas 2 horas, algo fora do normal. Ele declarou que após vistoria técnica ficou comprovado que o canal que passa sob a rodovia, de 2 metros de diâmetro, não suportou o volume de água que desceu das canaletas, do alto do morro, e invadiu a pista.

“Não houve entupimento, nem outro episódio diferente disso. Houve um alarde sobre a situação até mesmo sobre abertura de comportas. Não existem comportas em barragens e sim extravasores, e o rebaixamento do nível da água no local é feito por bombas. E, como o canal não suportou o volume de água, recomendamos à empresa a construção de um novo canal, mais robusto”, informou Roberson Silveira.

Sérgio Myssior: eventos climáticos estão cada vez mais intensos e mais frequentes

Mas, afinal, o que está acontecendo e o que pode ser feito para amenizar esses efeitos? O Urbanista Sérgio Myssior, CEO do Grupo Myssior e professor da Fundação Dom Cabral, analisou a precipitação ocorrida no último dia 23 e disse que, principalmente, após a sua vivência e participação nas últimas conferências sobre clima, especialmente a última delas, a COP 28, realizada no mês de dezembro em Dubai, é unânime a percepção de que os eventos climáticos estão cada vez mais intensos e mais frequentes.

Também está sendo observada como que a fragilidade do tecido urbano tem sido negativa diante dessas mudanças climáticas. Ou seja, muitas vezes já são problemas conhecidos, como os estruturais como nas áreas periféricas. “As cidades e grandes aglomerações urbanas ainda convivem com questões estruturais como falta de saneamento, ou mesmo a infraestrutura mínima necessária, além do déficit habitacional, das questões relacionadas à drenagem ou à gestão integrada de resíduos. O que acontece é que o cenário de fragilidade do tecido urbano, diante desses eventos cada vez mais intensos e frequentes, tem trazido um impacto muito grande para as pessoas, inclusive com perdas de vidas, como também na dinâmica social e até mesmo econômica das cidades. As cidades precisam inicialmente exercitar a sua incrível capacidade de transformação”, informou Sérgio Myssior.

Infraestrutura verde

De acordo com Myssior, é preciso mudar a orientação das cidades, predominantemente orientadas até então para a chamada infraestrutura cinza, que passem a adotar neste lugar uma infraestrutura verde, que envolve inclusive as chamadas soluções baseadas na natureza. “São soluções que vão mudar o rumo e a orientação desses grandes temas. Então, elas envolvem questões distribuídas por todo o tecido que vão retardar essas águas de chuvas, no momento de cheia, no momento de pico. São caixas de retenção, seja em edifícios públicos ou privados, valetas de filtração, uma política urbana e ambiental que estimule a implantação de áreas permeáveis, de dispositivos que vão reter essa água de chuvas ou atrasar a contribuição para o sistema. Este é um dos caminhos”, declarou.

Sérgio orienta que há dispositivos como jardins drenantes, jardins filtrantes, que favorecem a recarga de água natural no aquífero e também acumulam e retardam a contribuição dela no sistema. “Nós podemos trabalhar também ao longo dos rios e dos cursos d´àgua através de corredores ecológicos, que vão não só melhorar a questão da biodiversidade, mas também vão conseguir reter a água que extravasa no momento de chuvas e mesmo retardar, ou reduzir as inundações. São diversas as soluções que as cidades estão implantando, além das questões estruturantes, do sistema de macrodrenagem que são sistemas muito onerosos, mas que também são obras que demandam mais tempo e que trazem muito transtorno”, explica.

Ainda segundo o urbanista, estas obras não deveriam vir desacompanhadas dessas questões de microdrenagem, ou mesmo de educação ambiental, ou os dispositivos distribuídos pelo tecido. “Elas envolvem a ampliação de galerias, construção de barragens, bacias de retenção e retardo, parques que são área de lazer no período de seca e que acabam se tornando áreas de acumulação de cheias no momento de pico.”

Engajamento da população

Ele orienta também que é preciso rever ocupações em áreas de inundações: “Hoje temos diversos instrumentos para lidar com isso. Além do planejamento urbano propriamente dito, há também planos de ação climática e planos de adaptação do tecido urbano. Existem aí grandes eixos: o chamado eixo da mitigação, que envolve a redução e a substituição de gases do efeito estufa; e o eixo da adaptação, que diante desses eventos temos que ver como adaptar o tecido urbano, inclusive aumentar a nossa resiliência”.

Sergio Missyor acrescenta: “E isso envolve não só recursos e ações no campo da política pública e da iniciativa privada, a adesão da sociedade civil, mas especialmente o engajamento da população em geral porque envolve a mudança de comportamento, desde um descarte adequado de resíduo sólido para que não seja carreado para locais impróprios. São diversas ações que vão contribuir para este novo cenário que estamos vivendo e, naturalmente, para a cidade. Desde que haja esta concertação entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil, não só são possíveis, como demonstra que a cidade pode estar preparada para lidar com estes eventos”, finalizou.

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