Sem soluções de mobilidade para a região, moradores vivem dia de caos e transtorno

Um acidente com um caminhão de bebidas na Avenida Nossa Senhora do Carmo, no último dia 21 de setembro, deixou o trânsito, que já era ruim na região, mais complicado, e ainda trouxe reflexos em vários pontos do eixo-sul de Belo Horizonte. Foi um verdadeiro caos: o tráfego de veículos ficou parado em diferentes ruas e avenidas trazendo consequências desastrosas para milhares de pessoas. O ocorrido acendeu o alerta para a população sobre a questão da mobilidade urbana em BH. Mas, que nó foi este?

A dentista Juliana Pedrosa Rodrigues, moradora do Edifício Cinecittá, no Vila da Serra, conta que viveu um verdadeiro transtorno no dia. Ela saiu de casa às 8h30m, para uma reunião com advogados e contadores para tratar de um inventário do pai. Do Vila da Serra até a entrada do Belvedere ela gastou 2h30m para fazer o percurso. Como tinha outro compromisso importante às 13 horas, duas consultas médicas – uma agenda complicada para remarcar – decidiu cancelar o compromisso com os profissionais que já estavam reunidos à sua espera. “Se insistisse no trânsito eu perderia a consulta das 13 horas, no Hospital Felício Rocho. O jeito foi procurar uma rota alternativa para sair do trânsito e chegar até a casa de minha mãe no bairro São Pedro e levá-la ao médico. Assim, consegui com muita dificuldade acessar a Rua Patagônia, depois a Bandeirantes, descer a Estevão Pinto e acessar o bairro Savassi”, explicou Juliana.

Ainda segundo a moradora, o que agravou a situação foi o fato de o aparecimento das abelhas exigir que as duas pistas fossem fechadas e nada ser feito para dar vazão ao volume de veículos parados. “As autoridades de trânsito deveriam informar aos motoristas e ordenar o trânsito. Um trajeto que levaria 30 minutos para ser feito, eu gastei mais de 3 horas. Só consegui chegar na casa da minha mãe às 11 horas”, disse Juliana. A moradora reforça que os municípios de Belo Horizonte e Nova Lima precisam criar alternativas para o trânsito, por causa do crescimento da cidade e da região entre Vila da Serra e Belvedere. E que o morador não pode mais perder compromissos por falta de opção no trânsito.

“A cidade teve um infarto”

O especialista em trânsito, Silvestre Andrade, proprietário da Infraplan Consultoria, empresa especializada na realização de estudos de engenharia, tráfego, transporte e logística, disse que este foi um acontecimento inusitado no principal corredor da cidade, onde há um volume alto de veículos com um acidente no horário de pico da manhã. “Infelizmente, este acidente travou completamente o trânsito e o motivo é que não há outra via com capacidade para escoamento do volume de tráfego como a Avenida Nossa Senhora do Carmo. De um lado, temos o bairro Sion com ruas estreitas e do outro lado o Morro do Papagaio, sem saída para nenhum ponto. Então, não há como liberar o volume de veículos que se formou ali”, explicou.

Silvestre Andrade ressalta que é preciso criar alternativas de desvio: “A cidade tem funcionado como um sistema semelhante ao corpo humano. Quando as nossas artérias começam a se entupir e impedir a circulação, somos os primeiros a perceber, com o desconforto, o cansaço, o bloqueio. Ficamos prostrados. Assim está acontecendo com o trânsito. A cidade teve um infarto, pois entupiu uma importante artéria no seu sistema viário”, comparou.

O especialista explica que com a volta do tráfego à normalidade pós pandemia, a hora do pico e o sistema de restrição da capacidade de escoamento acabaram espalhando uma onda de choque que bloqueou rua por rua e se espalhou atrás da avenida, gerando um tumulto há muito tempo não visto. “Não é algo que acontece todo dia, mas vimos que não há como desviar esse tipo de tráfego pelos bairros São Pedro e Sion, pois é muito restritivo. Até mesmo o aparato para desvirar o caminhão contou com uma ação operacional mais intensa, exigindo uma ação mais rápida, embora complicando mais a situação”, informou.

Vila da Serra sem alternação

Segundo Silvestre Andrade, o que se viu na Avenida Nossa Senhora do Carmo serve de exemplo para outros corredores e vias da cidade. “No Vila da Serra, por exemplo, há uma rede viária sem alternativas com a Oscar Niemeyer como principal corredor e um sistema viário insuficiente por ainda contar com uma urbanização ao redor em estágio incipiente. Assim, o que acontecer ali, vai se espalhar no eixo com Belo Horizonte, como aconteceu com a Nossa Senhora do Carmo que atende a região Centro-Sul, é a entrada para quem chega do Rio de Janeiro. Um problema na MG030 e na Alameda é um problema para a região inteira”, pontuou.

Silvestre Andrade explica que as principais vias urbanas precisam ser ligadas a outros caminhos para melhoria da circulação pública, pois estão situadas em áreas urbanas caracterizadas por adensamento ao longo de sua extensão. “Precisamos de mais vias coletoras para redistribuir o trânsito pela região, pois são elas que farão esse papel de distribuir e mover o trânsito para as vias arteriais. Para isso, precisamos de um planejamento viário coerente com a necessidade de cada região.”

Construir caminhos

Silvestre Andrade reforça a necessidade de construir alternativas para o trânsito, de forma a desafogar as vias arteriais. “Há propostas importantes que viraram projetos como a construção de um viaduto ligando o Belvedere aos bairros São Bento e Santa Lúcia, que deslocaria o fluxo para a Avenida Prudente de Morais, a Rua Conde Linhares e aliviaria o tráfego com importantes sistemas transversais alternativos, ou mesmo ligando à Raja Gabaglia. Seria uma passagem em desnível ou um ramo em baixo e outro em cima, construindo uma articulação com a Prudente de Morais, ou até mesmo um acesso mais fácil naquele trecho para a Bandeirantes. Como se estivéssemos fazendo algumas ‘pontes de safena’ para liberar a circulação pelas vias laterais. Esse projeto está no Plano Diretor do município, dentro do REURBs, e existe desde a década de 70. O primeiro Plano Diretor do município já estabelecia um plano viário da cidade. Uma proposta que nunca foi implementada por vários motivos como dificuldade de orçamento, mudanças de prioridade, entre outras”, explicou.

Ainda segundo o especialista, outra alternativa de planejamento viário é a utilização do leito da rodovia, criando uma opção de ligação na cidade, saindo de Nova Lima indo até Águas Claras, Sabará e Betim. Ele ressalta que vários projetos esbarram em questões ambientais como no Vetor Sul com a Serra do Curral. Em outros casos, como no alto da Avenida Afonso Pena, a rua Agulhas Negras, a Raja, a Nossa Senhora do Carmo, a Prudente de Morais, a Carangola e a Leopoldina, que poderiam se interligar são na verdade corredores sem articulações entre si por causa da topografia irregular, etc. “Como isso não acontece, tudo converge na Avenida Nossa Senhora do Carmo. Este é um bico do funil. Quando há problema no trecho, ela entra em colapso”, declarou.
Para Silvestre, as alternativas para o trânsito devem passar pela criação de novas vias e pela implementação de um sistema de transporte público de qualidade.

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Comment (1)

  • Adriano Pimenta Reply

    Um túnel ligando a Afonso Pena a Nova Lima e a BR-356 (BR-040) é factível. Falta disposição. Sequer fazem estudos de alternativas, tampouco projetos de Engenharia para subsidiar as desejadas soluções.

    29 de setembro de 2022 at 11:06

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